Mercado imobiliário e o Programa Minha Casa Minha Vida

Postado em Estruturas ,     Escrito por Roberto de Souza    em público May 27, 2015

Um dos principais focos do mercado imobiliário brasileiro tem sido o segmento de habitação econômica e de interesse social. Além da queda na taxa de juros e o aumento dos recursos para o crédito imobiliário, o governo federal lançou, em 2009, o Minha Casa Minha Vida. Em 2011, veio a segunda fase do programa que prevê, até 2014, construir três milhões de moradias para famílias com renda até R$ 5 mil. Está baseado em maior subsídio para a baixa renda, maior acesso a financiamento pelo FGTS, redução do risco do financiamento e do prêmio do seguro. O programa, portanto, pode diminuir significativamente o déficit habitacional brasileiro.

Para famílias com renda até R$ 1,6 mil estão previstas 1,6 milhão de moradias (com aumento substancial de subsídios HIS, subsídios em financiamento, acesso ao fundo garantidor e barateamento do seguro). Cerca de 800 mil unidades se destinam a famílias com renda entre R$ 1,6 mil e R$ 3,1 mil (com subsídios em financiamento, fundo garantidor e barateamento do seguro) e 600 mil para as com renda entre R$ 3,1 mil a R$ 5 mil (com estímulo à compra de moradia, fundo garantidor e barateamento do seguro).

Ao todo, o programa prevê financiamento de até R$ 100 bilhões subsidiados pelos cofres públicos e, somado ao montante de financiamento sem subsídio, o programa pode chegar até a R$ 180 bilhões. Cabe então perguntar quais são os principais desafios do setor público e privado para atender às metas da segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida?

Há uma preocupação do setor privado com relação às regras para aprovação de projetos, pois isso envolve muitas variáveis, municípios, leis, meio ambiente, etc. Há também uma inquietação quanto à excessiva burocratização na análise de empreendimentos, assim como no pagamento das parcelas dos financiamentos concedidos pela Caixa Econômica Federal. Vem ocorrendo um descasamento entre o fluxo financeiro das obras e os recebimentos da Caixa.

Quanto ao desenvolvimento institucional, deve-se analisar qual é hoje a capacidade operacional dos agentes públicos para dar conta desse programa, aproveitando o momento, inclusive, para o aprimoramento das instituições. Um bom sinal é a entrada do Banco do Brasil como agente financeiro e a sinalização da possibilidade de bancos privados também operarem nesse segmento.

Outro gargalo do programa é a questão da informalidade dos potenciais adquirentes das unidades habitacionais. Segundo informações de empresas de vendas de imóveis, 70% dos potenciais compradores que vão aos estandes de vendas têm renda para entrar no programa, mas estão na informalidade, o que os alija do processo. Um estudo no sentido de flexibilizar os critérios da formalidade seria bem-vindo.

Outro aspecto a considerar diz respeito aos prazos, custos e qualidade das obras. Com o mercado aquecido, os custos de construção têm se elevado, os prazos vêm sendo ampliados e a qualidade tem piorado. Como os custos de construção desses empreendimentos são da ordem de 60% a 70% do VGV, quaisquer deslizes em termos de prazos e custos podem implicar em queda da margem de lucratividade e da taxa interna de retorno do negócio. Neste cenário, a industrialização da construção passa a ser um elemento estratégico para o sucesso do programa. A industrialização minimiza o risco dos investimentos, propicia o aumento da produtividade e o controle dos custos, dos prazos e da qualidade, e contribui de forma decisiva para a viabilização dos empreendimentos e o retorno do capital investido.

O Brasil tem uma rica história de industrialização da construção, conta com um grande repertório de componentes e sistemas industrializados. As empresas construtoras de diferentes portes podem fazer uso disso e, de forma inteligente, desenvolver uma industrialização aberta e adequada à nossa realidade. Várias tecnologias industrializadas — para estruturas, vedações, fachadas, revestimentos e sistemas prediais, com diferentes materiais, como concreto, aço, madeira, cerâmica, plástico — podem ser utilizadas e articuladas de diferentes formas, inclusive com sistemas mistos que façam uso de diferentes soluções e materiais. Dois pressupostos, no entanto, são importantes nesta direção: a visão sistêmica e o entendimento de que a tecnologia está a serviço da viabilização do negócio imobiliário.

Por outro lado, ao avaliar os diferenciais competitivos dos sistemas construtivos industrializados, é importante analisar a sua contribuição em relação aos aspectos de redução de prazos e custos, garantia da qualidade, atendimento às normas de desempenho, aumento da produtividade, qualificação de pessoal, além do seu compromisso com a sustentabilidade.

Em relação aos prazos, a questão central é: como o sistema construtivo reduz o ciclo de produção visando à construção em escala? Quais são as etapas do processo de produção, as precedências de atividades, as integrações entre subsistemas, e qual é o resultado final na redução do prazo de construção?

O mesmo pode-se perguntar em relação ao impacto do sistema na redução de custos, envolvendo tanto a qualificação e a produtividade da mão de obra utilizada, quanto os equipamentos empregados e os quantitativos de materiais e componentes incorporados ao sistema. Além, é claro, da consideração dos custos de operação e manutenção ao longo da vida útil da edificação. Complementando a preocupação com os prazos e custos, é fundamental a definição do Sistema de Gestão e Controle da Qualidade a ser empregado na construção das unidades, de forma a garantir a qualidade dos serviços executados e dos materiais empregados, evitando desperdícios, retrabalhos e futuras patologias construtivas.

Outro aspecto a ser avaliado é o atendimento do produto final gerado pelo sistema construtivo à norma de desempenho NBR 15.575, que define os critérios de desempenho de segurança, habitabilidade e durabilidade que os edifícios devem atender. É necessário que haja evidências objetivas de que o sistema construtivo atenda a estes critérios e seja aprovado pelo Sistema Nacional de Aprovações Técnicas (Sinat).

É fundamental para a segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida que todo este conjunto de diretrizes, tecnologias e práticas de qualidade já consagradas, assim como a Norma de Desempenho, sejam considerados tanto pelos agentes públicos – Ministério das Cidades e Caixa – quanto pelos agentes privados – incorporadores, construtores, projetistas e fabricantes de materiais e sistemas construtivos.

sobre o autor
Roberto de Souza
Engenheiro civil pela EPUSP, com pós-graduações nas áreas de Planejamento Urbano e Transportes, especialização em administração de empresas e em engenharia econômica e de custos. Experiência como gestor de inúmeras...